domingo, agosto 29, 2010

Recorrência

No que parece ser uma agressão ao outro

o agressor e a vítima sou eu.

Se, cega, supunha ferir o outro, é em mim

que no fundo fura a faca suja.

Agride-me a luz da consciência ou o gérmen de algo dela

que me deixa ver que faço mal, reacção na contra-luz,

sei, penso que sei, que a agressão nunca mudará o outro,

o musculo não muda, minúsculo molusco,

e que a agressão que deixei nascer e, incapaz de conter,

soprei ao mundo, não me traz porque não tem

serenidade ou conforto algum.

Há tão pouco a fazer, quase nada, um tudo-nada,

a não ser respirar olhos nos olhos de quem agride

e entender a agressão, quer seja ou não, como uma brisa passageira,

o suspiro de uma mente pequena e obscura

(outra agressão? Que prisão…que liberdade?!)

Se algum dia esta mente minha chegar a ser educada

Que não se alvoroce, iluda ou espante com os gargarejos insalubres

doutras mentes e que a minha se para algo servir

que não seja para imitar e se influenciar dos vapores e fervores

de demais mentes dementes.*

* Fenómeno de recorrência: Há 25 anos atrás escrevinhei um lamento que também apontava o dedo a mentes dementes.