Jasmim e Foxie
Vivemos em casa de duas senhoras gatas, a Jasmim, filha da D. Matilde, e a Foxie, que ainda mal abria os olhos e já não viu a mãe, desencontrada nalguma esquina da vida.
Na perspectiva felina é assim que acontecem as coisas, os gatos de vez enquando têm uns acessos rápidos e repentinos de paciência e lá permitem, prontos...vá lá....que alguns bichos-gente se sirvam das “suas” camas, edredons, sofás, roupa para engomar, pantufas, mesas, papeis importantes e o que mais por ali houver mesmo que tenha um ar muito arrumadinho ou limpinho. Ficamos-lhe tão gratos por isso que as consideramos mais e melhor que a alguns parentes, especialmente aqueles que não gostam de gatos!
Eu e o marido sempre tivemos este previlégio de conviver com bicharocos. Cheguei a ter um frango de estimação que era meio tonto e coxo, salvei-o de morte prematura quando coloquei á luz do sol da manhã o ovo que ele nunca mais bicava para nascer, já os irmãos andavam a esgravar “numa boa”, depois aqueci-o e massagei-o e sobreviveu.
Estive quase a ter um ouriço caixeiro que o meu pai me trouxe, não tivesse ele fugido no minuto em que o pai me foi buscar para o ver.
O meu marido, petiz, brincava aos cow-boys no campo com uma cabrinha, acho que ela fazia de indio.
Enquanto não tivemos filhos, tivemos gatos, que tinham os respectivos nomes bordados na toalha de banho.
Depois tivemos filhos e durante um certo tempo não se consegue ter mais nada.
Mais tarde, com os filhos um pouco mais “domesticados” e depois de algumas asneiras como comprar dois hamsters, um para cada miudo, e verificar passados dias que a fémea estava de esperanças, dez ou doze esperanças. Era um casal ! Os casais acasalam e no caso dos hamsters é quase um cenário dantesco, porque após o parto a fémea come os filhotes/ervilhas para voltar a acasalar.
Conseguimos deixá-los, em gaiolas separadas, na loja de um benovolente comerciante que os ofereceria a quem mostrasse interesse.
O “bichinho” dos bicharocos intensificava-se nos miudos e em mim, só o marido não apoiava esta tola ideia, pensando nos encargos, no trabalho e sujeira que esta opção acarreta, mas como estava em minoria.... Choramingando aqui e ali, com o apoio dos miudos sempre em afinado coro, uma pessoa amiga sabendo da gravidez não planeada da D. Matilde Siamesa por obra e graça de um casanova que não lhe largava a janela, convenceu-me a convencer o marido a adoptar 250 g de bichinho peludo. Não consegui convencê-lo mas passadas algumas semanas de amamentação foi roubada á sua mamã para entrar na nossa casa, é um casa de tótós concerteza !
A Jasmim pequenina, era cuidada com tanto desvelo como um bebé, toda e qualquer asneira que fazia era motivo de graça e conversa durante semanas. O minoritário marido estava a ficar mais apaixonado que o previsto e quando chegou a hora de ir de férias procuramos criteriosamente parques de compismo que aceitassem animais, são poucos mas encontramos, pode dizer-se que o mais recente elemento da familia definiu o destino das nossas férias. Não é especialmente sociavel, ou seja não é do género de se rebolar aos nossos pés para lhe fazermos festinhas, pelo contrário, prescinde bem de todo e qualquer contacto, se alguem insiste, recebe de imediato uma bofetada de gato, só para relembrar, excepção feita ao seu apaixonado, o marido, o tal que estava em minoria, só ele lhe pode fazer as festinhas todas que quiser....
Poucos meses passados, num dia chuvoso e frio, pelas 17.40 horas, que é a hora a que o meu filho chega da escola, tocou a campainha e quando abri a porta reparei que para além de encharcado, tinha um brilhozinho estranho no olhar e uma coisa não especificada que parecia uma bola achatada de pelo molhado, quatro patitas espetadas e que miava de susto, frio, fome. Passados alguns segundos de total confusão cheguei á conclusão de que era um gato, ou melhor uma gata !
Ainda de olhar esgroviado perguntei:
- Pedro, onde foste buscar este gatinho ? Nós já temos a Jasmim...e agora ?
- Estava no meio do passeio, perdido e assustado, olhei em volta e não vi nenhum gato com cara de mãe, se o deixasse lá, como estava tão perto da estrada ainda era atropelado ou atacado por algum cão ou ....
Devolver o aflito animal ao lugar de onde tinha vindo, era impossível, há que procurar soluções. O marido ficou á beira de um ataque de pânico, tinhamos pago um dinheirão no veterinário uns dias antes.... a Catarina sentiu os ventriculos todos misturados com as auriculas assim que a viu, cheirou-me logo que havia ali outra paixão gateza.
Fez-se um reunião de emergência, onde ficou claro que tinhamos que nos esforçar para não nos afeiçoarmos ao gatito porque a intenção era arranjar um dono que pudesse ficar com ele, entretanto podiamos dar-lhe um nome: estava tão magrinha, desguedelhada e sendo cinzenta, parecia mesmo uma rapozinha, por isso ficou foxie.
Demos-lhe banhinho, aquecemos-la, ela ainda tentou mamar nas maminhas da Jasmim, o que não foi possivel, mas a Jasmim acolheu-a tão bem, lambia-a e deixava-a aninhar-se para se aquecer. Procuramos leite para gatinhos bebés....e....iniciei uma excursão por todos os veterinários (existem vários) e lojas de animais para divulgar e apelar á adopção do bichinho. Quase todas as pessoas foram muito simpáticas mas não viam qualquer hipotese de ajudar. Entrei na NET e em vários sites informei da minha situação e da necessidade de arranjar um lar para a Foxie, também por aqui encontrei muitas pessoas simpáticas e igualmente interessadas em arranjar um lar para muitos outros bicharocos em necessidade.
Por mais que pusessemos o coração no bolso, a Foxie já nos tinha lançado um feitiço qualquer, talvez fosse o facto de se esconder dentro do armário dos cobertores ou atrás do frigorífico ou de não se deixar pegar por ninguem, não sei bem o que terá sido... Na Net as pessoas contactavam-me para saber se havia novidades, se a Foxie tinha tido sorte e se já tinha arranjado um lar, e três dias depois de ter chegado cá a casa, eu ia respondendo a estas pessoas, que sim, que tudo tinha corrido bem, a Foxie já tinha onde morar, em nossa casa !!
São muito diferentes estas gatitas, agora grrrrrandes, gorrrrrdas e peluuuuudas, ambas são pouquíssimo sociáveis, a Foxie foge de qualquer pessoa, se alguém “estranho” entra cá em casa, ela reserva-se ao seu espacinho dentro do guarda-fatos e ninguem a conseguirá ver a não ser que eu abra a porta deste para que as pessoas confirmem, que sim, de facto tenho um gato a viver dentro do armário.
É necessário referir que estas duas marotas abrem uma excepção da seguinte forma: A Foxie só não foge da Catarina e têm uma relação esquisita, diria de paixão, aliás ela diz que só se casa se a deixarmos levar a Foxie, que achará disto o noivo ?
A Jasmim, e ainda bem que eu não sou ciumenta, tem uma paixão pelo meu marido, o tal que não queria bicharocos cá em casa, marradinhas, cabeçadinhas e encostos felinos só o meu marido recebe, dorme ao pés da nossa cama, temos uma cama de gato cá em casa mas é só para iludir as pessoas mais sensiveis a estas situações, entretanto, por volta das 5.00 horas da manhã, ela enrosca-se doce e mole á volta da cabeça dele na almofada e vai mordiscando com toda a delicadeza uma pontinha de orelha, uma abinha de nariz, e digam lá se não há forma mais deliciosa de acordar.
De vez em quando queixo-me que um dia desses tenho que arranjar um gato que me faça miminhos, como se na verdade não fosse ao contrário, o prazer em fazer festinhas a um gato é especialmente nosso, para o gato não é particularmente importante, essa coisa das festas, desde que o pessoal não tenha dúvidas de quem é o dono da casa, que haja sempre comidinha e um lugar fofo e quente, seja onde for, onde dormir horas e horas de sono, tá-se bem.
Depois chegamos a um nível superior em que as nossas colegas de trabalho já sabem distinguir de quem são os pêlos de gato que têm na roupa delas, por isso de vez em quando surge:
- Olha, Cristina, tenho aqui no casaco um pelo da tua Jasmim, ou será da Foxie ?
Queira Deus que continuemos a ser contemplados com os seus pêlos durante muito tempo.
Cristina Dinis Roldao, 2-10-2008